Agora
estou aqui estupefato de cansar, eu relembro do nosso partir, enquanto as gotas
escorrem pela vidraça. Nada vai regredir e nem retroceder, é a queda mais dura
que eu vou ter de suster. Nenhum braço vai me segurar forte como o seu me
segurava, nenhum adeus irá ser mais longo que o nosso. Como foi como foi,
insuportável ter de me embriagar de éter, como foi, como foi, inesquecível ter
de lembrar-me de nossa dor, na minha memória agora sexagenária. E tudo passou;
mais o pó e as teias de aranha continuam imóveis aqui dentro, esperando que uma
lágrima e uma mão limpa destruam e devastem os destroços. Isso é tão impossível
como crer em conto de fadas, há muito tempo que deixei de ser criança. Eu
pensei em alguns de meus devaneios, suando a pele entre calafrios e madrugadas
mortas, e que você talvez, ia voltar no findar da tarde, mais você se foi, e
crer em contos fadas, é como acreditar que eu ainda posso ser criança. Junto da
partida, foi arrastado, tudo foi arrastado, meu coração e minha vida,
destroçada, você levou a metade, e eu ali petrificado no cimento, sem poder
fazer absolutamente nada, para que eu não morresse. Nada, eu não fiz... nada. E
talvez perdão não exista, e conviver é o máximo que posso dar, é o Maximo que
tenho me dado. Tudo, tudo se foi, até você, até eu, até nós dois. Até o amor?
Tudo, tudo se foi, até você, até eu, até nós dois. Até o amor? Tudo, tudo se
foi, até você, até eu, até nós dois. Até o amor? Eu repito freneticamente,
enquanto ouço aquela valsa, eu me culpo freneticamente, enquanto deito-me pela
milésima vez no divã, eu digo. Só mais hoje.
(Vinicius
Sousa)
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