Diário De Uma Quase
Ergui as mãos pro
ar enquanto o fim cansou de chegar, ergui as mãos pro ar enquanto o fim nunca
chegava, meus braços já estavam dando mal jeito. Deixei Jesus guiar meus longos braços enquanto
a multidão enlouquecida perecia numa noticia falsa de que o show era bonito e
tinha alegria. Era uma noite cheia de fumaça de bueiro e uma neblina azul
cobria toda a cidade, caminhar a noite era preciso, pois ganhar a vida era
necessário, as pernas se flexionavam em grandes plataformas de quinze
centímetros, debaixo podia se ver toda a vida do céu, a rua desde muito cedo
era nossa, nós fomos ganhar a vida, pagando o preço de sermos infelizes, em
meio a divergências, perfumes baratos e cigarros impregnando os cabelos de mal
cheiro, lá estávamos nós refazendo a maquiagem borrada dos olhos e limpando o
canto da boca ensangüentada, e disfarçando tudo com bases baratas, alegria
ficou pra escanteio nós saímos pra fazer a vida. Amor é uma coisa que existia
somente nos letreiros dos grandes cassinos e cabarés clandestinos, (Love me, Love
me, Love me), nos becos passávamos a noite em meio a ratos e baratas, cheirando
pinga barata de sexta, carregar o mundo nas costas já era de bom tamanho, todos
os sentimentos ficaram para trás, é passado, lembranças foi só o que restou.
Tragédias que não
saem de cartaz. Daquele cinema fajuto da esquina cinco, onde se abria nas
madrugadas umedecidas de sexta a sexta aquele cinema de filmes prives o bom e
velho clichê, dava nojo aquilo ali, homens se masturbando enquanto o filme
preto e branco vez ou outra falhava, numa imagem que chegava doer os olhos,
poucas falas, entre muitos gritos e gemidos intensos. É na noite não tinha lei,
quem ficava por ali era gato escaldado ou pior, a precisão não dava escolhas, e
quem se submetia ao breu sem lamparina, não podia derrubar uma lagrima porque
fazia barulho. É nicotina enrustida em dedos grossos era uma fumaça que se
espalhava feito enxofre pelo casebre clandestino que ficava atrás do cinema.
Uma carnificina de mulheres expostas como objetos à venda era um antiquário de
putas. Ganhava quem dava o maior lance, eram cavalos abruptos e indomáveis
sentindo no couro a dose enlouquecedora de luxuria, ouve vezes em que segurei
uma coisa que veio de meu estomago até minha garganta, veio queimando, eu
precisava sobreviver.
A noite não tinha
lei, era uma selva. O Whisky era barato e o ano novo era ralado, a chuva grossa e
barulhenta calava por instantes gemidos falsos de um corpo sem um coração pra
bater, disseram pra mim “não use o coração, pois se o fizer não presta pra vida”.
Eu com meus dezesseis anos, iniciada nas mais distintas rodas. Conheci a
maconha, passei pela cocaína e quase não consegui dar tchau ao craque, ele te
leva feito num fôlego explodindo o cérebro. E tudo na minha humilde vida foi quase. Quase
larguei as drogas, quase morri, quase peguei AIDS e quase não consegui sair da
prostituição. É um momento onde não é exclusividade minha, todos nós passamos, seja
de puta a político, uma hora você precisa se desintegrar da sua zona de
conforto. Foi o que eu fiz, porque se não, eu ia apodrecer ali, uma cafetina
velha e decrépita, passando a perna nas novas ninfetas que entravam para um
mundo cheio de garras grandes e largas, não era questão de “cansei”, “uma vez
dentro e você não sai nunca mais” ou saia. Mas o trauma esse nunca some, fica
feito brasa na mente, você vai levando a vida como pode até não querer mais
levar. Como sempre a melancolia e o ceticismo puxavam meus dedos para um final
que não planejei. Em partes era verdade, era difícil você sair, mas não era impossível.
Não é a toa que nunca acreditei em Deus.
(Vinicius Sousa)
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