15/01/2012


                           Diário De Uma Quase

   Ergui as mãos pro ar enquanto o fim cansou de chegar, ergui as mãos pro ar enquanto o fim nunca chegava, meus braços já estavam dando mal jeito.  Deixei Jesus guiar meus longos braços enquanto a multidão enlouquecida perecia numa noticia falsa de que o show era bonito e tinha alegria. Era uma noite cheia de fumaça de bueiro e uma neblina azul cobria toda a cidade, caminhar a noite era preciso, pois ganhar a vida era necessário, as pernas se flexionavam em grandes plataformas de quinze centímetros, debaixo podia se ver toda a vida do céu, a rua desde muito cedo era nossa, nós fomos ganhar a vida, pagando o preço de sermos infelizes, em meio a divergências, perfumes baratos e cigarros impregnando os cabelos de mal cheiro, lá estávamos nós refazendo a maquiagem borrada dos olhos e limpando o canto da boca ensangüentada, e disfarçando tudo com bases baratas, alegria ficou pra escanteio nós saímos pra fazer a vida. Amor é uma coisa que existia somente nos letreiros dos grandes cassinos e cabarés clandestinos, (Love me, Love me, Love me), nos becos passávamos a noite em meio a ratos e baratas, cheirando pinga barata de sexta, carregar o mundo nas costas já era de bom tamanho, todos os sentimentos ficaram para trás, é passado, lembranças foi só o que restou.
   
   Tragédias que não saem de cartaz. Daquele cinema fajuto da esquina cinco, onde se abria nas madrugadas umedecidas de sexta a sexta aquele cinema de filmes prives o bom e velho clichê, dava nojo aquilo ali, homens se masturbando enquanto o filme preto e branco vez ou outra falhava, numa imagem que chegava doer os olhos, poucas falas, entre muitos gritos e gemidos intensos. É na noite não tinha lei, quem ficava por ali era gato escaldado ou pior, a precisão não dava escolhas, e quem se submetia ao breu sem lamparina, não podia derrubar uma lagrima porque fazia barulho. É nicotina enrustida em dedos grossos era uma fumaça que se espalhava feito enxofre pelo casebre clandestino que ficava atrás do cinema. Uma carnificina de mulheres expostas como objetos à venda era um antiquário de putas. Ganhava quem dava o maior lance, eram cavalos abruptos e indomáveis sentindo no couro a dose enlouquecedora de luxuria, ouve vezes em que segurei uma coisa que veio de meu estomago até minha garganta, veio queimando, eu precisava sobreviver.
  
   A noite não tinha lei, era uma selva. O Whisky era barato e o ano novo era ralado, a chuva grossa e barulhenta calava por instantes gemidos falsos de um corpo sem um coração pra bater, disseram pra mim “não use o coração, pois se o fizer não presta pra vida”. Eu com meus dezesseis anos, iniciada nas mais distintas rodas. Conheci a maconha, passei pela cocaína e quase não consegui dar tchau ao craque, ele te leva feito num fôlego explodindo o cérebro.  E tudo na minha humilde vida foi quase. Quase larguei as drogas, quase morri, quase peguei AIDS e quase não consegui sair da prostituição. É um momento onde não é exclusividade minha, todos nós passamos, seja de puta a político, uma hora você precisa se desintegrar da sua zona de conforto. Foi o que eu fiz, porque se não, eu ia apodrecer ali, uma cafetina velha e decrépita, passando a perna nas novas ninfetas que entravam para um mundo cheio de garras grandes e largas, não era questão de “cansei”, “uma vez dentro e você não sai nunca mais” ou saia. Mas o trauma esse nunca some, fica feito brasa na mente, você vai levando a vida como pode até não querer mais levar. Como sempre a melancolia e o ceticismo puxavam meus dedos para um final que não planejei. Em partes era verdade, era difícil você sair, mas não era impossível.

Não é a toa que nunca acreditei em Deus.

(Vinicius Sousa) 

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